quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

E aí, Robin?!

Tendo em vista o avizinhar-se do Carnaval, e considerando que amanhã levarei meus filhos fantasiados para o Colégio (uma "abelhinha" de 8 anos, um homem aranha de 3 e um super-homem de 3), lembrei de um tema filosófico-sociológico da maior relevância.
Trata-se da força cogente do sentimento de grupo. A criatura humana sente a necessidade de fazer parte de um grupo, e de ser aceita por ele. Para isso, tende a querer igualar-se aos demais membros do grupo.
Como sempre, há um conjunto de forças contrárias, em face das quais se deve buscar o equilíbrio: ninguém quer ser inteiramente igual a ninguém, mas também não se quer ser "o diferente". O Prof. Agamenon Bezerra, no mestrado da UFC, lá pelos idos de 2002, gostava de falar sobre isso.
Um dado relevante é que esse "sentimento de grupo" faz com que as pessoas de dentro de um mesmo grupo sintam maior empatia umas pelas outras, aumentando-lhes a solidariedade, o altruísmo etc. Mas, por outro lado, esse mesmo sentimento de grupo exacerba o ódio pelos que estão fora do grupo, que tendem a ser vistos como um inimigo.
Talvez alguma teoria evolucionista explique isso. Deve estar gravado em nossos genes, por obra da seleção natural. Dawkins, Matt Ridley...
Bom, mas o fato é que nenhuma criatura humana faz parte de apenas um grupo. Todos integramos vários. Esse aspecto é frisado por Amartya Sen, no livro "Identity and violence".
Amartya Sen frisa que devemos deixar de classificar as pessoas de forma simplista e maniqueísta, como se cada uma tivesse sua identidade definida a partir da participação em apenas um tipo de grupo, pois isso estimula a criação de conflitos insolúveis, que incrementam a violência pois os dois lados de qualquer discussão passam a olhar para o outro como um inimigo a ser eliminado, com o qual não há acordo possível.
Na verdade, como ele alerta, as pessoas não se identificam apenas por serem "ocidentais ou orientais". Ou "católicas ou protestantes" ou ainda "cristãs ou mulçumanas". Na verdade as pessoas fazem parte AO MESMO TEMPO de vários grupos, definidos por gosto musical, religião, local de nascimento, orientação sexual, hobbies etc. E isso deve ser sempre lembrado, para que o "ódio" gerado pelo fato de fazerem parte de alguns grupos diferentes seja neutralizado por uma maior empatia decorrente de serem, também, membros de alguns grupos em comum.
Um sujeito pode ser católico, e outro ateu, ou muçulmano, e isso ser um motivo para que existam "diferenças" entre eles, mas, ao mesmo tempo, podem ambos ser defensores da liberdade de iniciativa e opositores do comunismo, o que lhes cria laços de identidade.
Em suas palavras:
"without any contradiction, an American citizen, of Caribbean origin, with African ancestry, a Christian, a liberal, a woman, a vegetarian, a long-distance runner, a historian, a schooltheacher, a novelist, a feminist, a heterosexual, a believer in gay and lesbian rights, a theater lover, an environmental activist, a tennis fan, a jazz musician, an someone who is deeply comitted to the view that there are intelligent beings in outher space with whom it is urgently to talk (preferably in English). Each of these collectives, to all of which this person simultaneously belongs, givers her a particular identity." (SEN, Amartya. Identity and violence. New York: W.W. Norton & Company. 2006, p. xii)

Nesse contexto, considerar que existem apenas "árabes x ocidentais" é um erro grosseiro, que envolve "accepting an implicit presumption that people who happen do be Muslim by religion would basically be similar in others ways as well.” (SEN, Amartya. Identity and violence. New York: W.W. Norton & Company. 2006, p. 42).

Um árabe pode ter na religião - e em questões políticas - motivos para sentir-se "diferente" em relação a um europeu católico, mas podem existir aspectos que os unem no gosto pela astronomia, ou pelo futebol, ou pela música de determinado artista, ou ainda pelo fato de serem ambos portadores de uma deficiência... 

Bom, mas alguém pode estar se perguntando: o que tudo isso tem a ver com carnaval e, mais ainda, com fantasias? O post começou falando de crianças fantasiadas no colégio, e então descambou para identidades e grupos...

O seguinte.

Um amigo meu, leitor deste blog inclusive, recebeu do colégio o comunicado de que haveria uma festinha "a fantasia". Providenciou, então, uma fantasia de "Robin", e foi ao colégio.
Lá chegando, ao entrar na sala de aula, sentiu aquele frio terrível correr-lhe os ossos, fazendo o estômago embrulhar e subir à boca: todos os seus coleguinhas estavam de farda. A festa era em outro dia, tendo ele confundido as datas. Um colega ainda gritou: "- E aí, Robin!!! Ieeeeeeeeeeei!"

Imaginar a vergonha dele - que deve ter sido absurda - é uma experiência que demonstra a idéia do sentimento de pertença ao grupo, ao qual me referia... Desde que ele me contou isso, confiro mil vezes as datas das festinhas no colégio dos meus filhos, e, por precaução, ainda checo na calçada, antes de entrar no colégio, como estão trajados os coleguinhas. Afinal, o trauma pode ser insuperável.

100 perguntas e respostas sobre improbilidade administrativa

Recebi por e-mail do Eduardo Bim (que já viu em um blog de alguém que tinha visto não sei onde...) interessante livro eletrônico (em PDF - clique aqui) com 100 perguntas e respostas sobre improbidade administrativa.

A resenha que a acompanhava, no e-mail, era a seguinte:

"Livro tira dúvidas sobre improbidade administrativa

A Escola Superior do Ministério Público da União está lançando livro com cem perguntas e respostas sobre improbidade administrativa. O objetivo é "incentivar o cidadão a fiscalizar os atos dos gestores públicos e cobrar honestidade no trato com o erário".


A obra é dirigida ao público em geral, com informações e conceitos sobre a Lei n. 8.429/92, conhecida como Lei de Improbidade Administrativa.

"Além de tornar interessante a aprendizagem de uma lei para quem não a tem como instrumento de trabalho, o texto representa mais um subsídio à atuação do Ministério Público na defesa do patrimônio público", informa a ESMPU.

O livro foi produzido sob a supervisão da 5ªCâmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal e escrito por dez membros do MPF especialistas no assunto.

A obra está disponível na página da ESMPU na Internet, no link Publicações, em arquivo no formato PDF. Membros do Ministério Público, bibliotecas de órgãos públicos e universidades, organizações não-governamentais com atuação no combate a corrupção receberão a obra impressa.

Link direto para download do livro:

http://www3.esmpu.gov.br/linha-editorial/outras-publicacoes/100%20Perguntas%20e%20Respostas%20versao%20final%20EBOOK.pdf"

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Crítica na rede

Por sugestão do George, visitei o blog "Crítica na Rede" (clique aqui), e gostei muito, resolvendo por isso repassar a dica aqui.

A descrição da publicação, feita por seus próprios autores, é a seguinte:

Crítica é uma publicação dedicada à divulgação, ensino e investigação filosófica. Publicam-se artigos de filosofia úteis para estudantes, professores e investigadores, assim como críticas a livros de filosofia. Publicam-se ainda críticas a outros livros (sobretudo ensaios), entrevistas e críticas musicais.

Crítica é publicada em exclusivo na Internet.

Na primeira página encontram-se as novidades do último mês, com as mais recentes no topo. Nas diversas secções encontram-se em arquivo, por ordem alfabética, todos os documentos publicados ao longo do tempo, dos quais só uma pequena parte são de acesso gratuito.

Para enviar artigos, recensões, traduções, etc., clique aqui.

Abuso do poder econômico

A imprensa noticiou o seguinte:

TSE confirma cassação de Cássio Cunha Lima

O Tribunal Superior Eleitoral confirmou, nesta terça-feira (17/2), a cassação do governador da Paraíba, Cássio Cunha Lima (PSDB), e de seu vice José Lacerda Neto (DEM). Os dirigentes paraibanos devem deixar o cargo imediatamente, dando lugar aos segundos colocados na eleição ao governo do estado em 2006, o hoje senador José Maranhão e Luciano Cartaxo.

Os ministros rejeitaram todos os recursos do governador e de seu vice contra decisão do próprio TSE, que em 20 de novembro do ano passado determinou a cassação pela prática de abuso de poder político e econômico nas eleições de 2006. Cássio Cunha Lima ainda estava no governo graças a liminares da corte, que garantiram seu mandato até o julgamento final dos recursos.
O advogado de Cunha Lima entrou imediatamente com um pedido de Mandado de Segurança, durante a própria sessão de julgamento no TSE. A defesa do governador e de seu vice ainda pode recorrer ao Supremo Tribunal Federal.

O julgamento foi retomado nesta terça com o voto do ministro Arnaldo Versiani, que pediu vista do processo em 17 de dezembro passado. O ministro rejeitou os recursos e votou no sentido de que fosse realizada eleição indireta pela Assembléia Legislativa da Paraíba, no prazo de 30 dias, para preencher o cargo de governador. Pra Versiani, por faltar menos de dois anos para o término do mandato de Cássio Cunha Lima, deveria ser realizada eleição indireta, com base nos artigo 81 da Constituição Federal e do artigo 83 da Constituição do estado da Paraíba.
 

A proposta de nova eleição foi criticada pelos ministros Joaquim Barbosa e o relator do processo, Eros Grau. O cima esquentou no plenário. Barbosa classificour o voto de Versiani como “absurdo” e Grau o definiu como uma “afronta” à jurisprudência da Corte. “Não me parece adequado estabelecer nova eleição quando não houve nulidade de mais de 50% dos votos”, afirmou o relator. Apenas o ministro Felix Fischer acompanhou o entendimento de Versiani.

Arnaldo Versiani reclamou da descortesia de Joaquim Barbosa, ao classificar seu ponto de vista de. "Num Tribunal Superior, não cabe de taxar de absurda a opinião de um ministro só por ser divergente", disse Versiani, visivelmente irritado. Barbosa, por sua vez, respondeu dizendo que fez a ressalva do "data venia". E autorizou Versiani a chamar qualquer um de seus votos de “absurdo”, se assim os considerasse.

Os recursos foram apresentados pelo governador Cunha Lima, pelo vice Lacerda Neto, por seus respectivos partidos (PSDB e DEM) e por Gilmar Aureliano, ex-presidente da Fundação Ação Comunitária (FAC), entidade de assistência social do estado envolvida nas irregularidades que levaram à cassação.

O governador teria se valido, durante o período eleitoral de 2006, da distribuição de cheques para cidadãos de seu estado, por meio de um programa assistencial. Segundo o Ministério Público Eleitoral, os eventos conhecidos como cirandas de serviços, que se caracterizavam pela distribuição de cheques para os eleitores, ocorreram em diversos municípios com a presença do governador. Cunha Lima teria chegado a entregar pessoalmente benefícios.

O relator, ministro Eros Grau, assinalou no julgamento de mérito que cheques foram distribuídos acompanhados de mensagens do governador nas quais o benefício era tratado como“um presente” do agente político.

Com informações da Agência Brasil"

***

Sem entrar, aqui, no mérito da questão, de saber se houve realmente abuso do poder econômico ou não, fiquei um tanto impressionado com a semelhança entre a situação que motivou a cassação, e o bolsa família. Reitero que não vi os autos, e que algumas partes do voto do Min. Eros Grau, transcritas na notícia, sugerem que no caso da Paraíba as coisas eram um pouco mais escancaradas.
Mesmo assim, em Municípios do interior do Ceará, tenho visto isso, inúmeras pessoas votaram no Presidente Lula, no último pleito, e até fizeram campanha por ele, única e exclusivamente porque vivem do bolsa família e consideram que é ele, o Presidente Lula, quem dá o Bolsa Família, e que qualquer outro candidato acabará com o programa assistencial no primeiro dia de governo. Até o dono de um pequeno mercado em Parajuru, praia próxima a Fortaleza (120 km) que eventualmente freqüento, fez campanha para ele, dizendo que todo o bolsa família da cidade vai parar em seu "mercadinho", na compra de arroz, feijão, óleo, ovos etc.
Não estou aqui combatendo o bolsa família. Não é isso. Apenas devemos lembrar que, tanto em um caso como em outro, o que se viu foi o titular do cargo político, candidato à reeleição, beneficiar-se da associação de seu nome a programa assistencial, o que às vezes parece muito com uma compra de votos institucionalizada, e ainda por cima com o uso de recursos públicos...

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

E o bambu?

Com todo o respeito, não consigo aceitar decisões como a abaixo noticiada. Fazem lembrar a história do" bambu", expressão que deve ser substituída por "e a prestação jurisdicional?" (clique aqui).
É inacreditável. Custava intimar a parte para complementar o valor?


JT não abre mão de centavos em depósito recursal

Por causa de R$ 0,03 (três centavos), a Endicon - Engenharia de Instalações e Construções Ltda. - não conseguiu ter um recurso de revista analisado pelo Tribunal Superior do Trabalho. A Primeira Turma rejeitou o agravo de instrumento da empresa contra a decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (BA) que considerou insuficiente o valor do depósito recursal. 

De acordo com o TRT baiano, para ter direito de recorrer ao TST, a empresa deveria ter depositado em juízo a importância de R$ 9.617,29, mas depositou apenas R$ 9.617, 26 - ou seja, faltaram três centavos para completar a quantia correta. O Regional entendeu que, apesar do valor insignificante, não poderia abrir mão da diferença, caso contrário, estaria desrespeitando a jurisprudência do TST. A Endicon, então, interpôs agravo de instrumento no TST para tentar reverter esse entendimento. A empresa defendeu que a diferença devida era mínima e não justificaria a deserção. No mais, afirmou que a decisão do TRT/BA ofendia os princípios da insignificância e da proporcionalidade. 

O relator do agravo no TST, ministro Lelio Bentes, explicou que a jurisprudência da casa considera um recurso deserto mesmo quando a diferença devida seja insignificante, referente a centavos. Por isso, seu voto foi no sentido de que o Tribunal não poderia aceitar o recurso de revista da empresa. O ministro Vieira de Mello Filho apoiou o relator e lembrou uma decisão do Supremo Tribunal Federal que considerou deserto um recurso por causa de R$ 0,12 (doze centavos) a menos no valor do depósito. E concluiu: “senão nós vamos discutir se é R$ 0,12; R$ 0,15; R$ 0,03; R$ 0,05...” Ao final, os ministros da Primeira Turma concluíram que, apesar do valor insignificante, havia expressão monetária a ser considerada e negaram provimento ao agravo de instrumento. ( AIRR 1393/2005-008-05-40.0

Vai pensando, vai pensando...

O George Marmelstein já havia mencionado, no blog dele, que o Direito pode ser estudado a partir de complicadas teorias, ou por meio das charges do jusfilósofo Maurício Ricardo. E fez, na ocasião, interessante coletânea de charges que merecem ser vistas (clique aqui).

Nessa mesma linha, assisti e gostei da seguinte:



segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Depósito e prazo para embargos

A teor do que literalmente dispõe a Lei 6.830/80 (art. 16), conhecida como "Lei de Execuções Fiscais", o prazo para a oposição de embargos à execução é de 30 dias, contados:
I - do depósito;
II - da juntada da prova da fiança bancária;
III - da intimação da penhora.

Diante de tais disposições, havia dúvida quanto à questão de saber a partir de quando tal prazo deveria ser contado, no caso de depósito.
Isso porque, no caso de penhora, não há dúvida: a data da intimação, na qual o executado colocou o "ciente" no documento através do qual se formalizou sua intimação da penhora. No caso de fiança, a contagem se daria de sua juntada aos autos. Mas, e no caso de depósito? Literalmente, a lei parece sugerir que a contagem se dá a partir da feitura do depósito, e não da data em que o comprovante é juntado aos autos, ou levado ao conhecimento do juiz. Afinal, se o próprio executado depositou, ele sabe quando foi, não precisando ser intimado para o seu prazo começar.

O problema é que o executado pode estar inseguro quanto à suficiência do depósito (em face da constante atualização do crédito executado), ou quanto à pertinência da instituição na qual este fora efetuado, ou ainda quanto a qualquer outro aspecto. Seria razoável, nesse contexto, entender que o seu prazo só teria início quando da sua intimação da decisão do juiz de aceitar o depósito como garantia?

No "Processo Tributário", a esse respeito, eu já havia escrito, desde a primeira edição (2004):

"Garantido o juízo, inicia-se o prazo de trinta dias (1) para que o executado maneje a ação de embargos do executado, da qual cuidaremos na parte dedicada às “ações de iniciativa do contribuinte”, infra. É importante referir que, em tratando de depósito, a rigor é da data de sua efetivação que tem início o prazo para oposição de embargos, pouco importando a data na qual o comprovante correspondente foi juntado aos autos (LEF, art. 16, I).(2) Não obstante, considerando ser “absurdo que, por ter depositado antecipadamente o que lhe é cobrado, o contribuinte tenha o seu prazo para se defender reduzido”,(3) a jurisprudência do STJ tem entendido que “o prazo para oferecimento dos embargos não começa a fluir do depósito. Inaplicável, pois, o disposto no art. 16, inciso I, da Lei no 6.830. A contagem do prazo inicia-se a partir da intimação da penhora, que, tendo sido feita em dinheiro, será convertida em depósito, nos termos dos arts. 11, § 2o, e 9o, inciso I, da Lei no 6.830/80”.(4) Em se tratando de fiança, esse prazo inicia-se com a juntada aos autos da prova da fiança bancária (LEF, art. 16, II), e, quando houver penhora de bens, seu início é a data em que tiver havido a intimação ao executado da respectiva penhora (LEF, art. 16, III).(5)

Note-se que o depósito, para preencher os requisitos dos arts. 9o, I, e 16, I, da LEF, há de ser feito em dinheiro, naturalmente, e em estabelecimento oficial de crédito.(6) Entretanto, quando o executado efetuar depósito em estabelecimento não oficial, e deixá-lo à disposição do juiz da execução, isso não quer dizer que a execução não esteja garantida. Pode-se considerar havida a nomeação à penhora do dinheiro constante da conta-corrente, com o prazo para embargar iniciando-se a partir de quando tal valor for aceito pelo juiz, com a formalização da penhora sobre o mesmo.



Notas:

(1) Esse prazo é contado da data da penhora, e não da data na qual ocorre a juntada aos autos do mandado de intimação. É importante, porém, que, ao ser cientificado da feitura da penhora, o executado seja alertado sobre o início do prazo de trinta dias para interposição dos embargos. A falta dessa advertência no termo de penhora, ou mesmo a alusão apenas a “prazo legal”, e não a “prazo de trinta dias”, faz com que não se possa considerar a fluência do prazo. Conforme tem decidido reiteradamente o Superior Tribunal de Justiça, “no processo de execução fiscal, para que seja o devedor efetivamente intimado da penhora, é necessária a sua intimação pessoal, devendo constar, expressamente, no mandado, a advertência do prazo para o oferecimento dos embargos à execução. [...]. O oficial de justiça deverá advertir o devedor, também de modo expresso, de que o prazo de trinta dias para oferecimento de embargos inicia-se a partir daquele ato. [...]. A obrigatoriedade de menção categórica do prazo justifica-se exatamente no intuito de que o destinatário da intimação fique ciente do período de tempo de que dispõe para tomar as providências que lhe proverem, sendo irrelevante que do mandado conste, tão-somente, a expressão ‘prazo legal’. [...]” (Ac. un. da 1a T. do STJ, REsp 328000/RS, Rel. Min. José Delgado, j. em 21.8.2001, DJ de 24.9.2001, p. 251). 

(2) “Conta-se do depósito o prazo para embargos, e não da juntada de seu comprovante aos autos (STJ, 2a T., Ag 154.026-AgRg, Rel. Min. Ari Pargendler, j. 16.6.1998, negaram provimento, v.u., DJU 3.8.1998, p. 217; JTA 117/23)” (Theotonio Negrão e José Roberto Ferreira Gouveia, Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor, 35. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 1300).

(3) Theotonio Negrão e José Roberto Ferreira Gouveia, Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor, 35. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 1301.

(4) RSTJ 132/225. Esse entendimento, a propósito, foi ratificado pela Primeira Seção do STJ, no julgamento do EREsp 767.505/RJ, em 10/9/2008.

(5) “Havendo nomeação de bens à penhora, deve esta ser tomada a termo a fim de que produza os efeitos. É necessária a intimação pessoal do devedor, com expressa advertência do prazo para oferecimento dos embargos à execução” (RSTJ 132/225). Ainda no entender do STJ, a advertência de que o prazo para embargar “se inicia a partir daquele ato e de que o mesmo é de trinta dias deve constar expressamente do mandado, sendo insuficiente a mera menção à expressão ‘prazo legal’” (STJ – 1a T., REsp 362.516-RS, Rel. Min. José Delgado, j. 11.12.2001, deram provimento, v.u., DJU 4.3.2002, p. 215, Apud Theotonio Negrão e José Roberto Ferreira Gouveia, Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor, 35. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 1301).

(6) O art. 32 da LEF assevera que os depósitos judiciais em dinheiro serão obrigatoriamente feitos: (i) na Caixa Econômica Federal; ou (ii) na Caixa Econômica ou banco oficial da unidade federativa ou, à sua falta, na Caixa Econômica Federal, quando relacionados com execução fiscal proposta pelo Estado, Distrito Federal, Municípios e suas autarquias.

 



Pois bem. Recentemente, através de sua Corte Especial, o STJ pacificou a matéria, decidindo que o prazo para embargos, no caso de garantia por depósito, começa com a formalização deste pelo juiz, e não na data em que é efetuado pelo contribuinte. É conferir:

PRAZO. EMBARGOS. EXECUÇÃO. INTIMAÇÃO. DEPÓSITO.

Prosseguindo o julgamento, a Corte Especial proveu os EREsp no sentido de que, efetuado o depósito em garantia, a contagem do prazo para os embargos à execução começa a fluir a contar da data de intimação pessoal do devedor (art. 16, II, da LEF). Precedentes citados: REsp 5.859-SP, DJ 9/5/1994; REsp 17.585-MG, DJ 20/9/1993, e EREsp 767.505-RJ, DJe 29/9/2008. EREsp 1.062.537-RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, julgados em 2/2/2009.


EREsp 767505 / RJ
EMBARGOS DE DIVERGENCIA NO RECURSO ESPECIAL
2007/0158207-2
Relator(a)
Ministra DENISE ARRUDA (1126)
Órgão Julgador
S1 - PRIMEIRA SEÇÃO
Data do Julgamento
10/09/2008
Data da Publicação/Fonte
DJe 29/09/2008
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. GARANTIA DO JUÍZO POR MEIO DE DEPÓSITO
EM DINHEIRO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. TERMO INICIAL.
1. A orientação prevalente nas Turmas que integram a Primeira Seção/STJ firmou-se no sentido de que, garantido o juízo por meio de
depósito efetuado pelo devedor, é necessária sua formalização, de modo que o prazo para oposição de embargos inicia-se a partir da
intimação do depósito. Nesse sentido: REsp 664.925/SC, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon,
DJ de 5.5.2006; REsp 830.026/RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 29.5.2006; REsp 806.087/MG, 1ª Turma, Rel. Min. Denise Arruda,
DJe de 3.9.2008.
2. Embargos de divergência desprovidos.

Convém, contudo, fazer uma observação de natureza prática. Como advogado, se a garantia será feita por depósito, convém preparar a petição de embargos ANTES de fazer o depósito. Assim, quando este for feito, os embargos podem ser opostos logo em seguida. Convém não usar todo ou quase todo o prazo de trinta dias, para, ao final dele, ficar discutindo quando mesmo foi que ele começou...

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Decadência, prescrição e lançamento por homologação

A jurisprudência do STJ firmou entendimento, faz tempo, no sentido de que, no âmbito dos tributos submetidos a lançamento por homologação, caso o contribuinte apure, declare E NÃO PAGUE o tributo que ele próprio apurou e declarou ser devido, não é necessária a feitura de lançamento de ofício para a cobrança do valor correspondente. Não é preciso, aliás, nem mesmo notificar o contribuinte, sendo possível inscrever em dívida ativa o valor correspondente, e promover a respectiva execução fiscal.

Sem entrar aqui na discussão relativa a esse entendimento, o que importa é que o STJ o tem aplicado com coerência, o que é louvável. Por coerência, entenda-se, designo a adoção do entendimento, e de suas conseqüências lógicas, tanto quando isso favorece a Fazenda Pública, como quando isso favorece o contribuinte. Afinal, como meu pai gosta de repetir, "o direito é via de mão dupla".

Uma dessas aplicações coerentes consiste no trato da questão da decadência, e da prescrição.
Como se sabe, o direito potestativo da Fazenda de efetuar o lançamento submete-se a prazo de decadência. Uma vez lançado o crédito, o direito de exigi-lo, em ação de execução, submete-se a prazo de prescrição. Diz-se, por isso, que o lançamento é "o divisor de águas" entre decadência e prescrição.

Pois bem. Considerando que, no caso de tributo declarado e não pago pelo contribuinte, no âmbito do lançamento por homologação, o STJ entende, coerentemente, que, não sendo mais necessário o lançamento de ofício, e sendo possível desde logo a propositura da execução para exigir os valores declarados e não pagos, tem início, por conseguinte, desde logo, o prazo de prescrição, não se cogitando mais de decadência. É conferir o que constou de um de seus últimos informativos:

LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. DCTF. PRESCRIÇÃO. 

Nos tributos sujeitos a lançamento por homologação, a declaração de débitos e créditos tributários federais (DCTF) refere-se sempre a débitos vencidos, razão pela qual o prazo prescricional inicia-se no dia seguinte à entrega da declaração. AgRg no REsp 1.076.611-MG, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 18/12/2008. 

A única retificação a ser feita, no citado entendimento, é a de que o prazo de prescrição, a rigor, não tem início no dia seguinte à entrega da declaração, mas no dia seguinte ao vencimento da obrigação declarada. Essas datas são próximas, pelo que, para julgar o caso, o preciosismo pode não ter importância, mas não se pode negar que, se se trata da actio nata, começando a prescrição porque o débito já poderia ser executado, então o prazo tem início com o vencimento da dívida declarada, e não com a entrega da declaração em si.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

ICMS na importação, local do fato gerador e Estado credor

Como a LC 87/96 estabelece que o momento de ocorrência do fato gerador do ICMS incidente na importação é o desembaraço aduaneiro, não é raro que o Estado-membro no qual o desembaraço é feito exija o ICMS, apesar de o importador, ao qual a mercadoria se destina, ser estabelecido em Estado diverso.
Exemplificando, se um contribuinte do Tocantins importa mercadoria que chega ao Brasil pelo porto do Mucuripe, em Fortaleza, o Estado de Tocantins exigirá o imposto, porque o imposto - diz a LC 87/96 - é devido ao Estado no qual está domiciliado ou estabelecido o importador. Mas também o Estado do Ceará exigirá o imposto, porque a mesma LC 87/96 diz que o fato gerador desse imposto ocorre no momento do desembaraço aduaneiro, que se dá no porto, que fica no Ceará.
O imposto, contudo, é devido ao Tocantins, embora essa dívida nasça no momento do desembaraço, que por acaso ocorre no Ceará, acaso que não faz do Ceará o credor do tributo correspondente.
O desate do embróglio, como eu já havia escrito no "CTN anotado", deve ser assim:

ICMS na importação. Local da ocorrência e momento da ocorrência do fato gerador – “A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de que ‘o fator gerador do ICMS na importação de mercadorias ocorre no momento do desembaraço aduaneiro’ (AgRg no REsp n.180.416/SP, minha relatoria, DJ de 24.11.2003).” (STJ, 1.ª S, EREsp 235.333/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. em 23/2/2005, DJ de 4/4/2005, p. 160). No mesmo sentido, “o Plenário do STF, no julgamento do RE 193.817-RJ, em 23/10/96, por maioria de votos, firmou orientação segundo a qual, em se cuidando de mercadoria importada, o fato gerador do ICMS não ocorre com a entrada no estabelecimento do importador, mas, sim, quando do recebimento da mercadoria, ao ensejo do respectivo desembaraço aduaneiro.” (STF, RE 224.277, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ de 26/6/1998), orientação hoje cristalizada na Súmula 661 do STF: “Na entrada de mercadoria importada do exterior, é legítima a cobrança do ICMS por ocasião do desembaraço aduaneiro.”

Mas isso não significa que o imposto seja devido ao Estado-membro no qual se localiza a aduana, sendo ele devido ao Estado no qual se localiza o estabelecimento importador: “Por imposição legal do art. 11 da Lei Complementar n. 87/96, o recolhimento do ICMS na importação de mercadoria deverá ser feito em benefício do Estado onde o importador tenha domicílio. Não compromete essa regra o fato de a mercadoria circular fisicamente no Estado onde a aduana tenha sido efetivada. (...)” (STJ, 2.ª T, REsp 796.007/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. em 14/2/2006, DJ de 21/3/2006, p. 121). É o que tem igualmente decidido o STF: “O sujeito ativo da relação jurídico-tributária do ICMS é o Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário jurídico da mercadoria (alínea ‘a’ do inciso IX do § 2.º do art. 155 da Carta de Outubro); pouco importando se o desembaraço aduaneiro ocorreu por meio de ente federativo diverso.” (STF, 1.ª T, RE 299.079/RJ, Rel. Min. Carlos Britto, j. em 20/6/2004, DJ de 16/6/2006, p. 20).


Examinando os últimos informativos do STJ, vi que esse entendimento se está consolidando naquela Corte. É conferir:

COMPETÊNCIA. ICMS. MERCADORIAS IMPORTADAS. 

É competente para a cobrança do ICMS na operação de importação o ente federado em que estiver localizado o estabelecimento para o qual se destina fisicamente a mercadoria ou o bem importado, sendo irrelevante que seu ingresso no território nacional tenha-se dado mediante estabelecimento localizado em outro estado. Com esse fundamento, entre outros, a Turma conheceu em parte do REsp e, nessa parte, negou-lhe provimento. Precedentes citados: AgRg no REsp 782.060-MG, DJ 18/12/2006; AgRg nos EDcl no REsp 1.046.148-MG, DJ 25/8/2008; REsp 1.021.448-MG, DJ 15/4/2008, e RMS 25.839-MA, DJ 21/10/2008. REsp 835.537-MG, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 16/12/2008.



4.ª edição


Acabo de receber da editora Atlas o pacote com exemplares da 4.ª edição do "Direito Tributário e Financeiro" (clique aqui).
Nenhuma alteração substancial, até porque a terceira edição havia sido lançada faz menos de um ano. De qualquer modo, serve para atender aqueles alunos que pensam que livro é igual a carro: cada ano tem que ser lançado um modelo novo.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Por que o Direito obriga?

Por que cumprimos as disposições normativas?
Essa, como se sabe, é a pergunta fundamental do direito, que tem dividido teóricos há séculos.
Será por conta da coação, ou da possibilidade de coação, subjacente à norma jurídica e desencadeada pelo seu descumprimento?
Acredito que uma análise da questão por premissas calcadas em uma antropologia filosófica não autoriza essa conclusão. Seria equiparar o homem - diz o Prof. Arnaldo Vasconcelos - ao jumento do verdureiro, que anda por força da dor causada pelo chicote que lhe bate às costas, ou pela mera imagem desde objeto, ou pelo som por ele produzido. Não há nada além da força?
Pontes de Miranda, a esse respeito, afirma que o direito que se impõe pela força é a revolução que se retarda. Concordo com ele. Não é a coação que fundamenta o direito.
Alguns autores têm afirmado que o fundamento do direito reside na moral. É o fato de as normas jurídicas consagrarem a proteção de valores morais caros à sociedade que faz com que as pessoas as respeitem. Para muitos, aliás, moral e direito natural podem ser usados como conceitos sinônimos.
Pois bem. Uma das grandes características do positivismo é a tese da "separação" entre o direito e a moral. Diz-se que o conteúdo do direito até pode ser correspondente, no todo ou em parte, à moral, mas isso não é "necessário".
Diante da possível "amoralidade" do direito, inclusive testemunhada pela História, a resposta positivista é a de que nada obriga, do ponto de vista moral, a que se cumpra a norma jurídica injusta. Carrió, por exemplo, afirma que não existe "una obligación moral de obedecer las reglas jurídicas por el mero hecho de que sean tales.” (CARRIÓ, Genaro. Notas sobre derecho y lenguage. 4.ed., Buenos Aires: Abeledo-Perrot,  p. 332. Em sentido semelhante: LATORRE, Angel. Introdução ao direito. Tradução de Manuel Alarcão. Coimbra: Almedina, 1974, p. 154.)

Mas não será essa justificativa um tiro que sai pela culatra? Diz-se que "não há obrigação moral" de obedecer as normas jurídicas que contrariam a moral... Então isso significa que é a moral que impõe a obrigação de observar as normas jurídicas? Divergindo intensamente o conteúdo do direito daquele indicado pela moral, desaparece o sentimento de obrigatoriedade para com a norma, que se passa a apoiar apenas no medo?

Por enquanto, a justificativa positivista da possibilidade de se descumprir a lei injusta, diante da inexistência de dever moral de observá-la, parece um tiro saído pela culatra...

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

As coisas não chamam!

Quando eu era criança, não gostava das aulas de português. Legal era ciências. Português era chato.
Nesses dias, contudo (aliás, nessas noites), estive a colocar minha filha para dormir lendo para ela "A gramática da Emília", de Monteiro Lobato. Ou, mais precisamente, "Emília no País da Gramática", e tive reforçada uma idéia a respeito da qual já vinha pensando, de forma algo intuitiva, faz um bom tempo: a gramática pode ser muito interessante. Depende só da abordagem. É um sistema de regras de conduta, tal como o Direito. A maior diferença está nas sanções, e na abrangência das condutas regradas. E se pode estudar esse sistema decorando-o, ou entendendo sua razão de ser.
Essa introdução, contudo, é feita apenas para justificar o post que se segue, que pode parecer estranho, num blog sobre direito. Mas o leitor que não tenha sido atirado aqui pelo google agora, e que já viu postagens passadas, sabe que é mesmo essa misturada: direito tributário, ensino jurídico, filosofia, filosofia do direito, aeromodelismo, informática... E, agora, português. Ou, pelo menos, comportamento em relação a ele.

***

Tenho observado certa difusão, especialmente entre pessoas com alguma escolaridade, do uso do verbo "chamar" de forma inteiramente diferente.
Como se sabe, tal verbo pode ser usado para designar o pedido de atenção, ou a convocação, que uma pessoa faz a outra: - Maria chamou João para conversar.
Pode, também, de outra forma, ser usado para designar o nome que se atribui a uma pessoa ou coisa: - O Juiz se chama Nicolau. O garçom se chama Juvenal. A aeromoça se chama Ellen. A atriz se chama Julia Paes.

Mas se está popularizando, como disse, o uso da palavra nesse segundo sentido, só que sem o "se". Assim:
- O filme "chama" Matrix.
- O marido dela "chama" Bernardo.
- O livro "chama" Curso de Direitos Fundamentais.
- Chicão ganhou uma cachorrinha que "chama" Dulce.

Acho - é só um palpite - que esse hábito já tem difusão, há algum tempo, na região sudeste. Não sei se só em Minas Gerais e em São Paulo, ou no Rio também. Ouvindo o "pânico", ontem, quando ia buscar meus filhos no colégio, percebi diversos "chama". O marido dela "chama" fulano. A mãe dela "chama" fulana. Ela trabalhou numa novela que "chamava" não sei o quê.
E o que tem acontecido, nas pessoas com alguma instrução às quais me reportei, todas aqui de Fortaleza, é que, vendo isso (aliás, ouvindo isso), começam a achar que, porque em São Paulo se fala assim, essa é a maneira certa de se falar.
Sei que a língua evolui, e que isso se dá pela ação dos fatos, pela evolução da maneira como as pessoas de fato se comunicam, e não pelo trabalho dos gramáticos. Do contrário, ainda falaríamos latim. Mas não é por isso, convenhamos, que se deve avacalhar, chutar o balde e disparar:
- Vou procurar um livro que "chama" o vencedor está só "para mim" ler...

O "se", no caso, é necessário, e não se trata de preciosismo. Dizer que "O marido dela 'chama' João" parece significar que o marido dela - que tem outro nome - está gritando: João! João!

Finalmente, só uma retificação. O título do post diz que as coisas não chamam. Realmente, elas não chamam, em regra. Elas "se chamam" livro, cadeira, monitor, teclado, avião... Mas, reconheça-se, algumas delas chamam sim. Um caranguejo na praia chama uma cerveja; uma noite na serra chama um bom vinho; um cafezinho depois do almoço, para os fumantes, chama um cigarro; uma boa ressaca chama um tylenol...

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

A escrita expõe...

Não é raro vermos professores com atuação acadêmica até intensa, no que pertine a orientações, aulas, cursos, cursinhos e até palestras, mas que, não obstante, não publicam muito. Às vezes, nada.
Não estou aqui criticando isso. Longe de mim. Apenas, depois de ouvir dias atrás as justificativas (que não pedi) de um colega, fiquei ruminando o assunto, e resolvi postar o resultado (provisório) dessa ruminação.
Uma das causas é o tempo. Mas, em relação a este, convém não usá-lo como desculpa. É que o dia tem 24 horas para todo mundo, e quando dizemos que não deu tempo de fazer alguma coisa, o que estamos a dizer, no fundo, é que outras coisas nos pareceram mais importantes. É uma questão de prioridade. Pode-se preferir o BBB, a novela, um telefonema para um amigo à cata de novidades sobre os detalhes da vida alheia... Sem julgar nenhuma dessas ocupações, o fato é que elas absorvem tempo. O mesmo que depois falta para outras coisas.
Outra causa é a dificuldade de acesso às editoras. Essa, contudo, não deve ser a principal. Afinal, elas são em grande número, e não tão difíceis assim. Já me disseram que em algumas, menores, o autor pode pagar para que o livro seja impresso, o que elimina por completo o obstáculo. E, de qualquer sorte, a internet, através de blogs (como este), e do scribd (clique aqui), permite a qualquer um que publique qualquer coisa. Essa, aliás, é sua grande virtude, embora seja, para alguns, também o seu grande defeito. Prefiro achar que é virtude, e que, como defende Thomas Friedman (n´O mundo é plano), o público que livremente escolha, sem a interferência de grandes editoras, redes de livrarias, gravadoras (em relação aos CDs) etc.
Mas a causa que talvez seja a avassaladora é a exposição.
Escrever expõe. E como.
Quem explicita suas opiniões revela o conteúdo de seu pensamento, ou a falta dele. Criticar é muito fácil, e é precisamente por isso que fazer, em vez de falar de quem faz, inibe.
Lembro de quando o George Marmelstein disse que, ao ler o próprio livro (por sinal, excelente) pela primeira vez, depois de impresso e publicado pela Atlas, sentia-se assistindo à própria imagem na televisão, numa mistura de embaraço e admiração.
Senti algo parecido quando recebi a primeira edição do Processo Tributário. Corei. Algo que estava apenas em meu computador, e que eu mostrava só para quem era íntimo, agora estava disponível para qualquer um abrir e ler. Senti-me sem roupa no meio do Iguatemi.
Por isso gostei das palavras que o Professor Arnaldo Vasconcelos usou no final do prefácio que fez ao "Por que dogmática jurídica?". Ele recomendou que as páginas fossem lidas, e não devoradas, dizendo ao leitor: "Pense quanto deve ter custado escrevê-las! Se duvidar, tente você também, ao menos como exercício de aprendizagem. Valerá a pena, com certeza."

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

É possível esquecer a política e manter preservada a esfera privada?

Li, dia desses, em livro de Oliveira Vianna, o seguinte:



“O nosso povo-massa pede aos governos – eleitos ou não-eleitos, pouco importa – é que eles não o inquietem em seu viver particular. Equivale dizer: o que interessa ao nosso povo-massa é a liberdade civil e individual.” (VIANNA, Francisco José de Oliveira. Instituições políticas brasileiras. 2.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1955, v.2, p. 623)


Acho que a frase tem algum grau de acerto.
Realmente, as pessoas, pelo menos no Brasil (não excluo a possibilidade de o mesmo ocorrer em outros países), em regra não têm interesse pela participação política. O que lhes interessa, como diz Oliveira Vianna, é que tenham sua esfera privada respeitada.
Basta observar o que ocorre em um condomínio. Todos reclamam do vizinho que faz barulho, ou daquele que estaciona o carro onde não devia, mas acham a pior coisa do mundo ter que ir a uma reunião de condomínio. Ser síndico, então, é o pior e mais pesado fardo do mundo. (Antes que algum leitor pergunte, adianto: só falto às reuniões que ocorrem quando estou viajando, e já foi síndico sim, por um ano. E não me caiu nenhum pedaço. Ao contrário, tive interessante micro-experiência no âmbito da administração.)
Seja como for, o diagnóstico de Oliveira Vianna parece certo, mas não parece possível conseguir isso, pois sem qualquer ingerência do "povo-massa" na política, no âmbito de governantes não-eleitos, por exemplo, não há como assegurar que os governantes "não o inquiete em sua vida particular".
Afinal, como se diz atualmente, com amparo em Habermas, a preservação da esfera privada depende da existência de uma espaço público no qual as pessoas participem da formação da ordem jurídica. (HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade,tradução de Flávio Beno Siebeneichler, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, v.1, 1997, p. 127).
Bem antes dele, vale registrar, Tobias Barreto já dizia que “o conceito da vida privada não pode surgir senão por meio da consciência de uma vida pública.” (BARRETO, Tobias. Estudos de direito. Campinas: Bookseller, 2000, p. 59)
Traduzindo, isso quer dizer que a única maneira de garantir que a liberdade civil e a individual sejam respeitadas é através de um regime democrático no qual os cidadãos participem da formação das normas jurídicas, pois assim surgem condições para que eles próprios façam normas que respeitem sua liberdade. Cria-se, com isso, um círculo virtuoso, pois cidadãos com os direitos fundamentais respeitados podem participar do processo político, participação que propicia uma maior proteção aos direitos fundamentais.
Será essa uma lição para que, em vez de sentar e ficar reclamando superficialmente de tudo o que o governo faz, todos nós façamos alguma coisa, por mínima que seja? Acho que sim. E fazer alguma coisa não significa necessariamente filiar-se a um partido e lançar candidatura para deputado nas próximas eleições. Pode começar pelo interesse no que o poder público faz com os recursos que arrecada, e na publicização de discussões sérias em torno disso. A internet é ferramenta excelente para que cada cidadão possa acompanhar, de perto, o que fazem seus representantes, fiscalizando desde orçamentos até a tramitação de projetos de lei, mandando e-mails para deputados e senadores etc.  Até com os cartões corporativos é possível saber quanto se gasta, quem e onde. E depois, pela internet mesmo, é livre e grátis a criação de espaços para divulgar e discutir isso. Talvez já tenhamos em nossas mãos instrumento para revolucionar a forma como a democracia é exercida. Bobbio e Paulo Bonavides já o disseram. Vamos começar?