sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Restituição de tributo prescrito

Na última quarta-feira estive em São Paulo para ministrar aula na Pós em Direito Tributário da rede LFG. Como sempre, fui muito bem recebido e bem tratado por toda a equipe da rede e do Prof. Eduardo Sabbag, aos quais sou extremamente grato.
Ao final da aula, recebemos, como de costume, diversas perguntas de alunos de todo o Brasil. E uma delas indagava:
"Gostaria de saber se há o direito à restituição de tributo prescrito e por quê."

A pergunta, a rigor, pode ser entendida de duas formas.
Eu entendi, de início, que ela indagava a respeito da possibilidade de pleitear a restituição de tributo pago indevidamente, sendo o pedido de restituição feito depois de consumado o prazo de prescrição do direito à restituição. Respondi, nesse contexto, que não. Se prescrito o direito do contribuinte à restituição, ela não pode ser pleiteada. Em relação à compensação ainda se poderia discutir, eis que ele não envolve a propositura de ação judicial (tese exposta no "Repetição do Indébito e Compensação no Direito Tributário", editado pela Dialética e pelo ICET), mas em relação à restituição em dinheiro a resposta seria, sem questionamentos, não.
Ao final da aula, contudo, algumas presentes indagaram:
- Será que a pergunta não pretendeu dizer respeito, quanto se reportou à restituição de tributo prescrito, à restituição, requerida pouco depois do pagamento, de tributo pago depois de consumado o prazo de prescrição do direito da Fazenda de exigi-lo?
Por outras palavras, por "tributo prescrito" a aluna poderia estar fazendo alusão não à prescrição do direito à restituição, mas à prescrição do direito da Fazenda de exigir o tributo.
Nesse sentido, a resposta é positiva, sim, há direito à restituição, e aproveito o espaço no blog para esclarecê-la.
No âmbito tributário, a prescrição é causa extintiva do próprio crédito tributário (CTN, art. 156). Não extingue apenas a "pretensão", pelo que não se pode aplicar a lógica do direito privado segundo a qual a dívida prescrita subsiste enquanto obrigação natural e uma vez paga não pode ser restituída. Em matéria fiscal, prescrito o direito da Fazenda de exigir um tributo, caso o contribuinte ainda assim o pague, poderá, sim, pleitear a restituição.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Crianças e Teoria do Conhecimento

Quando nasceu minha primeira filha, pude observar mais de perto o desenvolvimento de uma criança. Não só sob o aspecto sentimental, como um pai bastante presente (cheguei a usar com frequência o Falcon que tinha guardado desde a infância para brincar de barbie e susy com ela), mas também como alguém curioso no estudo da mente humana e de seu funcionamento. Já tinha convivido com crianças antes, naturalmente, meus primos e sobrinhos, mas sem interesse (nem conhecimento) em filosofia ou epistemologia, pelo que não pude observar o que depois vi em meus próprios filhos. Já aí percebi - uma coisa é ler, teoricamente, outra é perceber, concretamente - a verdade da lição hermenêutica segundo a qual o que se vê depende de quem vê.
Enfim, é muito interessante observar a formação da linguagem, dos primeiros raciocínios mais elaborados... Até já comentei isso aqui no blog algumas vezes (clique aqui).
É curioso notar, por exemplo, a forma como usamos idéias já conhecidas para construir definições para coisas novas. Tentamos entender o desconhecido a partir do conhecido. E o exemplo que vi disso é bem pitoresco: enquanto, na década de 1980, meu pai descrevia o computador para seus colegas como uma "máquina de escrever com uma infinidade de recursos", para meus filhos menores uma máquina de escrever (que foi de meu sogro e com a qual brincam eventualmente) é "aquele computador tosco do vovô que só imprime":


terça-feira, 5 de outubro de 2010

Interpretação literal



Acabo de receber o novo livro do ICET, coordenado pelo Prof. Hugo de Brito Machado, mais um volume da coleção na qual, anualmente, se estudam temas específicos do Direito Tributário. Desta vez examinou-se o tema "Interpretação e a Aplicação da Lei Tributária", como, aliás, já mencionei antes aqui no blog.

O fato é que, tendo recebido o livro, recordei-me do art. 111 do CTN, segundo o qual a lei tributária, nas hipóteses que indica, deve ser interpretada "literalmente". Lembrei, ainda, das dificuldades que cercam a interpretação desse artigo, pois o texto não tem um significado "em si"; é o intérprete quem lho dá, à luz das circunstâncias (e isso para não referir a pré-compreensão do intérprete). Como escrevemos, a Raquel (que pesquisa o tema no doutorado na USP) e eu, no texto que consta do volume,

É impossível interpretar uma lei apenas com o uso do método literal, porque as palavras, mesmo literalmente, têm invariavelmente mais de um sentido. O que se deve entender por banco? Manga? Fundo? Flor? Dente? Batida? Frango? Galinha? Gato? Dependendo do contexto em que empregadas, essas palavras podem ter significado literal completamente diferente. Aliás, mesmo quando isso não ocorre, a literalidade não é suficiente para determinar o sentido do texto, bastando para demonstrá-lo que o leitor recorde do exemplo usado na resposta à pergunta 1.2., supra, relativo a uma mesma placa que passa a veicular normas com conteúdo praticamente oposto quando fixada na entrada de um shopping center ou em uma praia de nudismo.
Por isso, o sentido que deve ser dado às disposições do art. 111 do CTN é o de preconizar que, relativamente à legislação que trate das situações ali mencionadas (todas especiais, ou excepcionais, a configurar exceções a normas mais gerais), se dê maior atenção aos significados prévios que as expressões utilizadas podem ter, como limite à atividade do intérprete.
Em verdade, o texto – o sentido que as palavras nele utilizadas ordinariamente têm – é um limite à atividade do exegeta. Afinal, o intérprete deve (re)construir o sentido dos textos normativos, atividade que, conquanto guarde certa dose de criação, não é arbitrária nem ilimitada, sendo um dos limites a serem observados justamente o espectro de sentidos possíveis do texto utilizado. Se a cada palavra cada sujeito pudesse dar o significado que bem entendesse, o próprio entendimento intersubjetivo, obtido através do uso da linguagem (e que, aliás, possibilita o próprio surgimento da linguagem), seria inviabilizado.
Assim, o que o art. 111 do CTN determina, simplesmente, é que, nas matérias ali mencionadas, o intérprete não se valha de significados que extrapolem os limites do texto empregado, ou o faça na menor medida possível, não utilizando métodos de integração ou mesmo métodos extensivos de interpretação.

Bom, deixando os aspectos filosóficos e hermenêuticos de lado, um exemplo pode ilustrar a dificuldade de dar uma interpretação sempre "literal" aos textos, sejam eles normativos ou não.

Imagine-se que o marido chega em casa e, indagado pela esposa a respeito das novidades na faculdade onde ele ensina, comenta:

- Hoje apareceram várias gatinhas na faculdade...

Indignada, a mulher pergunta: - O quê?! Gatinhas?!

- Sim, gatinhas! Veja a foto delas, que tirei com meu celular:




Vendo a foto, a mulher responde aliviada: - Ah, sim...